terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

(In)controlável



Digamos assim, nada é o que realmente deveria ser, e isso era absolutamente um problema. Quanto às consequências... Talvez fosse importante, talvez não.
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Ele está à beira da histeria. Eu não diria que ele está errado, mas não consigo lhe dar razão. Está andando de um lado para o outro, gesticulando muito e falando rápido. Talvez ele tenha medo de perder o controle e desabar. Aposto que é isso que ele gostaria. Tenho certeza que se ele pudesse pegar as palavras com suas mãos rápidas, ele as faria entrar na minha cabeça à força. Eu tenho vontade de lhe dizer para desistir, então eu me lembro de que já disse isso e que ele ainda não desistiu.
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Eu desisti.
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Eu já não o escuto. É complicado ignorar o barulho que vem de fora. É como estar preso no trânsito e com o rádio quebrado. Estou tentando ignorar e já nem sei há quanto tempo. Não me importa quantas vezes ele venha, eu simplesmente não consigo respirar de novo. Metaforicamente falando, eu estou sufocando. Não, já sufoquei. E é isso que ele não entende. Sou uma mulher que se afagou.
Em alguns momentos eu queria lhe dizer que me esquecesse, que seguisse com sua vida, que se casasse e fizesse lindos e revoltados filhos. Mas antes de mais nada, sou egoísta. Cheguei a essa conclusão em uma noite de poesias e violão.
Ele deu um grito, uma vogal ainda ressoa da palavra perdida. Está tentando recuperar minha atenção. Esse homem, que um dia foi o homem da minha vida, ele sabe que eu não o escuto. Talvez não seja eu o egoísta. Ele está na minha frente, olhando nos meus olhos. Eu sei que ele está usando palavras doces tentando me incentivar, deve ter lido novos livros de autoajuda noite passada. Será que ele tem certeza que sou eu que preciso de ajuda, ou será que na calada da noite, encostado em sua cabeceira com seu abajur ligado, tentando achar as palavras certas, será que não é ele que está tentando se salvar? Será que eu poderia ser a ponte para esse homem ser salvo ? Se pelo menos fosse tão simples.
Mais uma vez ele me olha com esses olhos frustrados, uma nuvem de desespero mancha seu semblante normalmente tão pacífico. Acho que ele vai desistir, tenho quase certeza de que ela finalmente encontrou seu limite. De alguma forma eu quase me sinto aliviada, mas em alguns momentos, em uma fração de segundos, eu me sinto desesperada e um tanto decepcionada. Haviam me alertado desse risco, ou dessa consequência. Em algum momento as pessoas se cansam de tentar ajudar, elas se cansam de não conseguir ajudar, e principalmente, elas se cansam de serem sempre afastadas. Não é como se eu me importasse. Não é como se qualquer coisa importasse.
Ele está no banheiro. Eu escuto a torneira ligada. Posso até imaginá-lo se olhando no espelho tentando encontrar a coragem, tentando se encontrar. Ele tem uma decisão a tomar. Não quero tentar imaginar o que ele vai fazer, mas sei que quando aquela porta se abrir algo vai acontecer. Ele pode continuar tentando ser o bom moço que sempre foi e se machucar um pouco mais, ou ele pode ir embora, deixar a chave para trás, deixar essa história tão cansativa para trás... Ele pode me deixar para trás. E eu só consigo pensar que isso deveria importar mais do que importa.
Ele chorou.
Eu gostaria que as coisas fossem diferentes. Eu gostaria de poder reconfortá-lo e lhe dizer que tudo vai ficar bem. Gostaria de caber nos seus sonhos e ser a mulher certa. Pode parecer idiota, mas eu gostaria mesmo. Ao invés disso, eu tomei uma decisão. Uma decisão que muda tudo.
Ele parece não saber mais o que dizer, mas continua aqui. Ele não sabe que tudo vai mudar, e me pergunto o quanto ele vai me odiar por isso. Minha decisão está tomada, e em meses essa é a primeira vez que eu me sinto decidida. Isso quase me revigora. Mas também me dá um certo medo.
Tenho vontade de lhe dizer: vou embora, amor.  Mas não acho que ele entenderia, não acho que alguém no mundo entenderia. Vou abandoná-lo. A decisão cresceu como fogos de artifício estourando aqui dentro com estalos que só eu escuto. Eles me deixam surda para as palavras dele, me deixam surda para todo o resto. Não acho que minha intenção seja fugir, por mais estranho que pareça acho que minha intenção é sobreviver. Será que faz algum sentido? Não né ?
Eu o olho agora. Não apenas olho, como também o vejo. Estou me despedindo, tenho certeza. Não sei quando o verei de novo, não sei quando e se voltarei, sequer sei para onde vou. Mas vou. E deixá-lo é minha forma de dizer amor. É minha forma de cuidar dele, de dizer que o amor e de fazer o melhor por nós dois.
Sou egoísta e eu sabia.

                                                            
"Diga a verdade ao menos uma vez na vida, você se apaixonou pelos meus erros "  (Humberto Gessinger )

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