quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Certezas incertas

"Se você adora uma certeza, fique longe desse tipo movediço de campo de sedução atulhado de descargas elétricas de ilusão e difusão semântica; onde um olhar, um sorriso, um gesto, uma palavra podem representar mil coisas além de apenas um olhar, um sorriso, um gesto, uma palavra. Você pode também acabar confundindo-se, escancarando intenções estúpidas e incomodando vizinhanças."
(Gabito Nunes)

   Vamos ser sinceros? Não estava nos meus planos me apaixonar. E eu não lembrava que era assim. Estava nos meus planos encontrar alguém pra desejar ter por perto, ter um rosto pra procurar em meio à multidão, um sorriso pra me inspirar quando faltassem palavras bonitas ou pintadas de esperança. Até aí, parabéns, moço, você conseguiu. Mas eu não lembrava as regras do jogo, as cláusulas do contrato que a gente finge não ler. Aquilo tudo sobre enxergar o que não existe e nunca existiu, ouvir além do que foi dito, achar ter mais do que tem. Eu tinha esquecido das borboletas, da ciranda que provocam no meu estômago quando você se aproxima ou quando alguém se aproxima de você. Acho que eu tinha esquecido de tudo o que significa estar apaixonada, estar andando nessa corda bamba de possibilidades ou na montanha russa que é te decifrar.
   Não estava nos meus planos um olhar que confundisse tanto, que me procurasse enquanto o corpo fugisse; estava nos meus planos a objetividade, fora desses jogos que já me cansaram tanto. Não estava nos meus planos tudo o que você nunca me disse e talvez nunca diga, nem tudo o que te falta pra ser o que eu procurava. Não estava nos meus planos esbarrar com você naquele dia comum e nunca mais conseguir desviar o olhar.
   Você não estava nos meus planos, mas chegou, de uma forma ou outra; seja verdade ou invenção: chegou. E é fato. Mas agora temos algumas coisas para acertar. É bom te ter, ou ter a sua invenção, ou ilusão, tanto faz, é bom. É bom ter alguém pra procurar e ter como promessa ainda que nunca se cumpra, mas precisamos deixar tudo bem claro. Se você não vai ocupar a cadeira vazia do meu lado, por favor, desocupe também os meus sonhos. A gente pode ser como aquelas pessoas que só se olham, que são promessas e nunca se cumprem, se você desocupar o cantinho quente que não acreditava mais do meu coração, justamente a parte que já sinto se mobilizar para a sua chegada. A gente pode concordar em nunca acontecer e ser apenas essa espécie de fuga nesse tempo em que  nada encanta nem comove, se você concordar em sair da minha mente nas noites frias e deixar de ser uma espécie de desejo. Se você for apenas um passageiro de curta viagem, por favor, faça as malas enquanto o estrago não é maior. Saia enquanto posso não fazer alvoroço, enquanto a dor vai passar junto com a risada que vou dar dessa história toda, por todas as minhas doces ilusões. Saia enquanto a dor não será dor, mas apenas um suspiro arrependido do que poderia ter sido se.
   Você sabe que poderíamos ser ótimos juntos? Sei lá, mas algo tão improvável como nós dois poderia ser um sucesso de bilheteria. De repente você seria tudo o que eu não sabia que precisava, e eu seria tudo o que você nunca procurou, e nós dois riríamos da obviedade do nosso encontro imprevisível naquela tarde do mês que não sei mais. Eu gosto do improvável, e gosto de você. Mas é difícil me perder tentando te decifrar, transformar certezas em incertezas num piscar de olhos, andar de montanha-russa ainda que essa sempre tenha sido a minha parte preferida do parque. Por isso precisamos ser sinceros. Agora. Antes que seja tarde e cansativo demais.
   Vamos ser sinceros: tô cansada de ser promessa.  Mas avisa logo, enquanto posso conter a chuva de você. Avisa logo, sai do meu coração e leva contigo as partes de você que comecei a colecionar. Agora. Um minuto a mais pode ser muito tarde.
   Vamos ser sinceros? Te quero como promessa cumprida. Sem pressa. A gente pode combinar assim?